Os números frios e calculistas que informam o crescimento do mercado mundial de carros elétricos não refletem a concentração do segmento no contexto de transporte, por enquanto significativo apenas na América do Norte, na Europa e em alguns países da Ásia. No automobilismo esportivo a situação não é muito diversa e é curioso notar como os investidores desse nicho desenvolvem suas políticas de implementação e consolidação dos seus produtos e serviços.
A Fórmula E vive sua quinta temporada e é a mais destacada no setor, enquanto a Jaguar pega carona nesse calendário para promover seu modelo I-Pace e a TCR, empresa que ocupa espaço cada vez maior na categoria Turismo em todo o mundo, lançará em 2020 um campeonato destinado para esse nicho de mercado. Entre nós não há notícia de propostas sobre uma categoria de carros elétricos ou de alguma iniciativa da Confederação Brasileira de Automobilismo nesse sentido.
Aqueles que acompanham o automobilismo com entusiasmo e paixão se dividem entre aprovar ou não as corridas de carros elétricos. O grupo dos pró defende que o esporte ajuda a desenvolver a categoria e reforça a importância da atividade para o progresso do automóvel. O grupo dos contra advoga a falta de barulho e o formato ainda não consolidado das formas como as categorias são estruturadas e onde, de longe, a F-E é a mais avançada: depois de quatro temporadas de carros praticamente idênticos, o campeonato atual permite mais liberdade na preparação dos monopostos e já não é mais necessária a troca de carro durante uma corrida, algo visto como sacrilégio por muitos. Pior dos mundos é o desenvolvimento de uma série com carros autônomos e “conduzidos” desde os boxes; por mais factível que isso venha a se tornar algum dia, não deixa de ser comparável a um autorama na escala 1:1…
Uma das saídas engenhosas da F-E acabou por resolver mais de um problema para a categoria. A realização de testes em três das quatro primeiras etapas da atual temporada aumenta o impacto da passagem da categoria nessas praças, diminui os custos de realizar treinos extras durante o ano, abre espaço para pilotos que ainda não experimentaram conduzir um carro elétrico e, de uma forma mais indireta, ajuda a conter a inflação nos salários dos pilotos em atividade.
Uma das rivais da F-E no universo do automobilismo de competição com carros elétricos é a WST Technology, empresa com sede social em Cambridge, na Inglaterra, e proprietária dos direitos sobre a marca ETCR. Seus diretores são Amy Charter, Marcelo Lotti, e o brasileiro Maurício Slaviero, CEO da empresa. Slaviero concorda com as vantagens dos testes livres:
“Acredito que esses testes livres são uma ótima forma para sempre existirem muitos pilotos preparados para correr na categoria, o que automaticamente sempre pressiona os pilotos atuais e ajuda até em negociações de salários, por que não? Acho uma boa forma até mesmo pra testar os carros com opiniões de pilotos diferentes, com opiniões diversas que podem ajudar no desenvolvimento.”
Slaviero, que já foi piloto e comandou a Stock Car brasileira por algumas temporadas, sabe do que está falando. Sua categoria vai ganhar vida para valer no primeiro semestre do ano que vem e ele confirma a participação da Seat e da Hyundai. O brasileiro diz que outras já assinaram contratos e deverão anunciar seus programas até junho. Nos últimos dias circularam boatos que o líder da F-E, Alejandro Agag, estaria envolvido em um projeto que vai além incluir o Brasil no calendário da F-E, algo que já anunciado e cancelado algumas vezes. Maurício acredita ser pouco provável que o interesse do empresário espanhol vá além de uma corrida:
“O Agag não tem nenhuma ligação com o nosso projeto e não estou a par de suas negociações no Brasil. Sinceramente, isso não faz muito sentido para mim: por que ele faria algo focado no Brasil quando tudo ligado a elétricos está acontecendo na Ásia, Europa e EUA? Eu ficaria surpreso se acontece algo além de uma etapa da F-E no Brasil.”
Quem sabe os interesses de Agag passem por uma participação no tão sonhado, e necessário, novo autódromo no Rio de Janeiro. Há comentários que boa parte do projeto de um novo circuito a ser construído em Deodoro seria bancado pela Liberty Media e pela empresa de Agag, além de outros playersdo automobilismo mundial. Não custa nada lembrar que as pistas da F-E são peculiares: curvas fechadas, retas curtas e montadas temporariamente em centros de capitais e cidades de importância turística ou econômica; a única exceção disso é a Cidade do México. No Marrocos é usado um traçado que mistura ruas de Agdal, um novo bairro nos subúrbios de Marrakesh, e uma parte construída para ser usada como um paddock. Na corrida disputada sábado passado o vencedor foi o belga Jerome D’Ambrosio, novo líder do campeonato.
O campeonato prossegue dia 26, em Santiago do Chile e é na Cidade do México, dia 16 de fevereiro, que vai acontecer o terceiro e último treino livre da quinta temporada da F-E. Para o engenheiro Marco Fuga, da equipe Dragon (ligada à Penske), a proposta desses treinos livres é bastante válida e cada uma das três datas oferece condições específicas:
“Na Arábia foi permitido usar um piloto oficial e outro escolhido livremente, o que combinou demandas da parte técnica e de marketing pois durante a programação oficial não há tempo para tanto. No Marrocos, tal como aconteceu em 2018, foram selecionados pilotos com pouca ou nenhuma experiência na F-E e pilotos reserva, ou de simulador, que dessa forma ganharam experiência de pista. O teste do México, no dia seguinte à corrida, será para pilotos oficias e é o último da temporada: o próximo, mais para o final do ano, será para pilotos oficiais e usando os carros da temporada 6, que terão um novo trem de força.”
Há boas diferenças entre acelerar um carro com motor de combustão interna e outro com motor elétrico, como explica o espanhol Jordi Gené, que já foi piloto de testes da Ferrari. Atualmente ele é o responsável pelo desenvolvimento do Seat Cupra (veja este vídeo), o primeiro carro construído para a categoria E-TCR, aberta a modelos de quatro ou cinco portas (veja box com o pontos básicos do regulamento), equipados com o mesmo motor elétrico desenvolvido pela WST. Quem já andou em um ônibus elétrico – ou trólebus -, tem uma boa ideia sobre o torque desse tipo de veículo, mas de acordo com Gené as diferenças não param por aí:
“Em relação a um carro a gasolina o carro elétrico é mais difícil de pilotar. No contorno das curvas você precisa frear mais antes da tangência por causa do peso extra. Esse peso, porém, é bem distribuído e como o centro de gravidade é mais baixo, ajuda um pouco. Essa tendência de sair de frente é mais notada nas curvas mais longas. Outro detalhe importante é a forma como você regula a recuperação de energia: nas freadas ou simplesmente quando tira o pé do acelerador, o que implica em dominar a distribuição do balanceamento de freios. Outros pontos que diferem é controlar o nível de carga da bateria e a temperatura das células de combustível e do próprio motor elétrico. Num carro “normal” você se preocuparia principalmente com a degradação dos pneus e a eficiência dos freios…”
Mais adiantada que a TCR, a Jaguar apresentou em setembro de 2017 o Jaguar I Pace eTrophy. A categoria estreou nas pistas em dezembro, servindo de prova preliminar para a abertura da quinta temporada da F-E, na Arábia Saudita. Ainda em fase de consolidação, o projeto tem vaga para 20 carros e 10 equipes, que representam países onde a marca é comercializada. O Brasil está representado com Cacá Bueno e Sérgio Jimenez, que é o atual vice-líder do torneio. As poucas informações técnicas disponíveis sobre o Jaguar I-Pace indicam aceleração de 0 a 100 km/h em 4”5 e que o modelo utiliza o mesmo pacote de baterias do Tesla S P100D, capaz de produzir o equivalente a 394 cv.
O regulamento básico do ETCR
A categoria E-TCR foi lançada oficialmente no dia 2 de março do ano passado, no Salão de Genebra. O regulamento básico da categoria E-TCR pode ser resumido nos seguintes pontos divulgados pela categoria:
§ Carros de turismo com carroceria de 4 ou 5 portas.
§ Potência de 300 kW (408 cv) de potência contínua e 500 kW (680 cv) de potência a 12.000 rpm.
§ Bateria com capacidade de 65 kWh e 800 V.
§ Transmissão traseira e relação única.
§ Suspensão dianteira McPherson e traseira com amortecedores duplos.
§ As competições serão disputadas em autódromos.
§ Na primeira fase, em 2020, o grid será formado por 16 carros.
O conjunto formado pelos dois motores elétricos, caixa de câmbio, inversores e conjunto de baterias será padronizado e fabricado pela WSC Technology. Seu peso e dimensões permitem a montagem nos carros que atualmente disputam as provas do TCR. Aceleração de 0 a 100 km/h em 3”2 e de 0 a 200 km/h em 8”2.